A história que me ocorreu hoje é das mais belas que ouvi, vão uns longos dez anos . É o exemplo acabado de que a imaginação não tem limites e que as melhores emoções são as de quem as sabe viver e construir. Conheci-a pela rádio, contada pelo nosso camarada Fernando Alves, o mestre da palavra dita.
O relato, contou o Fernando, foi ouvido pelo pasmado repórter, numa taberna alentejana, concelho de Castro Verde, terra de horizontes largos e gente de alma grande. Como testemunhas estariam uns jarros de vinho, uns copos, uns enchidos. As histórias corriam como a bebida pelas gargantas, devia-se cantar de vez em quando…
Já muitas histórias tinham sido atiradas quando alguém trouxe para a roda esse quase mito de Chico Papo de Homem, motorista de um dos homens mais ricos da terra. Mas ele, o suposto condutor, não tinha carta, pese embora a farda a rigor, com chapéu a condizer.O patrão arriscaria uma costela feudal por esses tempos de miséria, tinha dinheiro e os respectivos caprichos, sonhos que o dinheiro compra. E um deles foi um belo carro, o primeiro que Castro Verde viu chegar. Que Chico Papo de Homem mantinha reluzente, tanto como um homem é capaz, limpando e puxando lustro aos cromados.
Como nem criado nem patrão sabiam conduzir, a viatura terá sido colocada no quintal. Porque ninguém sabia fazer mexer a máquina um dedo que fosse, o primeiro contratempo saltou logo aos olhos: os pneus a ficarem vazios; depois as ervas a crescerem em torno do automóvel.Solução: levantar a máquina e assentá-la em quatro cepos. Ali, no ar, os anos pareciam passar mais lentos pelo aço e deixar menos marcas na chapa.
Lá por trás do muro e das vistas alheias, quase todos os dias eram de viagem. Conta quem ouviu que os relatos de Papo de Homem eram quase inquestionáveis de tão autênticos.Cumpria-se o ritual diário: motorista no seu posto, patrão no banco de trás, como mandam as regras da ostentação e aí iam eles…sem sair de cima dos cepos.Com o ar mais sério do mundo, Chico narrava depois para quem lhe dava ouvidos: “Ontem fomos ao Caldeirão, atravessámos um nevoeiro que metia medo” ou “Fui a Beja ver o Palácio dos Duques. A estrada está péssima”.
Abraço.
António Martins Neves